terça-feira, 21 de abril de 2009

A SERENATA DO BISPO DE MARIANA

Serenata sempre foi um esporte que, quando bem praticado, é que nem comer mulher desejada: fica melhor ainda quando contado depois. Nossas serenatas sempre foram comportadas, aliás, muito bem comportadas, excetuadas todas aquelas em que aprontamos alguma coisa a mais. E estas foram quase todas. Tivemos a serenata do refrão, que já foi objeto de outra história desta compilação, tivemos a serenata do lençol, tivemos a serenata do jogo de dados, que também foi outra história deste almanaque, e tivemos também, a mais célebre delas, a serenata do bispo.

A idéia da serenata do lençol nasceu em uma mesa de boteco, o Bar do Professor, que assim se intitulava pelo fato de seu dono se considerar um “professor de batidas”. O Bar do Professor ficava na rua São José, bem próximo onde hoje é a República Boate Casablanca. Naquela noite resolvemos fazer uma serenata diferente e bolamos a Serenata do Lençol. Tinha até música específica, composta (cometida, seria mais correto), por mim e Victor Godoy, depois de algumas “aulas” do Professor, ali na mesa do boteco:
Envolto em lençol,
Já perdido do sol,
Coroa de louro,
Sandália de couro,
Vou pela rua,
Gamado com a lua,
Debaixo da janela,
Cantando por ela

E assim trajados, lençol, sandália de couro e coroa de louro, fizemos uma das mais animadas serenatas de Ouro Preto. O grande maestro Dandão, figura de fino trato e comportamento irrepreensível, nosso violonista-mor, que estava em fase de puro romance, esbanjou habilidade musical, terminando a cantoria em um violão de três cordas. As outras não agüentaram a serenata até o seu final.

Mas o grande negócio da serenata era o roubo das avis terreirensis, também conhecidas por galinhas. Escolhido o galinheiro, a serenata começava bem açucarada – era a fase Carinhoso, com cada nota da imortal melodia de Pixinguinha quase chorada ao violão e a letra da música quase um sussurro. Nesta fase, alguns menestréis eram proibidos de abrir a boca, por motivos óbvios. Seguia-se algo mais ritmado, menos choroso, mais animado, tipo Upa Neguinho! Nesta etapa, já havia mais liberalidade na concessão do direito de voz aos menos afinados, fazendo Elis Regina revirar-se na cova. Para a terceira e decisiva etapa reservávamos algo que as pessoas até faziam o possível para não ouvir, colocando travesseiros sobre a cabeça, entoando algo como Corcel Cor de Mel. Para quem não viveu aquele tempo, seria como se fosse o Creu número cinco. Nesse momento todos participavam do coro. Todos menos aqueles que se aproveitavam da algazarra (palavra mais arcaica, que tal substituí-la por zorra?), invadiam o galinheiro e faziam a parte mais divertida da festa. No dia seguinte, o almoço, invariavelmente, era galinha.

Um belo dia... não, uma bela noite, depois de um pedido de um morador da Marragolo interessado na nossa expertise de seresteiros, resolvemos diversificar e decidimos fazer uma seresta para o bispo de Mariana, com direito a toda a trilha sonora que conhecíamos. Trocamos até o dia da serenata. Em vez de fazê-la na noite de sexta para sábado, terminando-a no horário de início das aulas, fizemo-la de sábado para domingo, terminando-a no horário da primeira missa. Dispensamos o Dandão e pegamos um violeiro, não tão hábil nas coisas da viola, mas com mais preparo para os fins de nosso intento. Alteramos um pouquinho o nosso elenco de menestréis e colocamos pessoas mais comprometidas com a causa. Foi um sucesso total, tudo saindo de acordo com o planejado.

No dia seguinte, domingo, antes do almoço que ocorreu obviamente à custa do bispo, ainda tivemos o prazer de irmos à missa por ele celebrada, lá em Mariana, não pela missa em si, mas apenas para ouvir o seu sermão. É aquela velha história: para ter o prazer completado, além de comer a mais gostosa, é preciso que o seu feito seja comentado. E ali, naquele dia, em frente a nós tínhamos o bispo de Mariana, perante seus fiéis, a excomungar os vândalos anônimos que invadiram os sagrados recônditos da Santa Sé levaram o leitão que estava engordando para a Páscoa.

Caiafa

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