terça-feira, 21 de abril de 2009

A REFORMA DO MUNDO

Em um daqueles dias em que já se havia dado por cumprida a meta alcoólica da república, ficamos a discutir tudo aquilo que não deveríamos discutir, nem quando estivéssemos sãos: futebol e religião. As igrejas universais ainda não tinham o significado econômico que apresentam hoje, mas já eram vistas como um promissor campo de negócios. A imensa variedade de rótulos e propostas salvadoras constituía um interminável cardápio de soluções para todos os males e gostos. E, obviamente, para todos os tipos de espertalhões.

Mas, se não tínhamos vocação para santos, porque não aproveitaríamos a moda e criaríamos a nossa própria igreja? Assim poderíamos definir o que é certo ou errado, isto é, o que é pecado ou não, sob uma ótica exclusivista e adaptada aos tempos em que vivíamos. Poderíamos moldar a moral e os costumes àquilo que julgássemos certo, isto é, de acordo com a nossa vontade ou contrariamente à vontade alheia. Assim nasceu a Seita Capacitiva do Homem, que teve Claudim Putero, o precursor do protesto contra as igrejas de ocasião, como seu primeiro e único Papa. A Seita Capacitiva do Homem tinha este nome porque se baseava na capacidade do homem em beber cachaça. E Claudim tornou-se Papa não só porque foi o mais inflamado de nossos protestantes, mas também porque se revelou o maior dos consumidores de nosso tempo.

Um belo dia, através de uma Bula Papal, Claudim resolveu reformar uma parte relevante da anatomia humana. Entendia ele que os órgãos sexuais masculinos e femininos estavam localizados incorretamente e seria muito mais conveniente se fossem localizados junto aos pés. A partir desta consideração, começamos a imaginar como ficariam algumas situações, caso a imaginação papal tivesse poder para transformar a realidade. Ir ao cinema, por exemplo, seria fantástico, bastava sentar-se atrás da garota mais gostosa da cidade. Você esticaria as pernas para frente e, se correspondido, ela recolheria as pernas para trás, permitindo que tudo acontecesse sob a sua cadeira. Sexo seguro, somente com meias. Entrar em filas fosse para o que fosse, poderia se transformar até em um ato prazeroso, um verdadeiro trenzinho da alegria.

A alteração anatômica traria consigo algumas mudanças na moda do vestir. Alguns rapazes, mais bem providos, desfilariam de sandálias tipo havaiana, em vez de camisetas que apenas destacassem seus músculos. Quem andasse somente de botinas seria um suspeito em potencial. Moça que se prezasse jamais usaria sandálias fora de casa. O mobiliário também seria atingido em cheio. Cama de casal, por exemplo, em vez de ter o dobro da largura, teria o dobro do comprimento, uma vez que teríamos uma forte tendência de deitar pé com pé. A medicina também deveria se adaptar – não iríamos ao urologista para tratar de gonorréias, mas sim de frieiras. E a conhecidíssima posição 69 perderia todo o seu sentido.

Entusiasmados com a nossa descoberta, exercíamos a nossa capacitividade alcoólica e dávamos asas à imaginação. Radicalizamos a nossa proposta e passamos a localizar nos pés não somente os órgãos sexuais, mas também os excretores. Seria muito prático, por exemplo, dar aquela urinada aliviadora após uma cervejada, sem ter que escolher um cantinho mais recatado. Bastava tirar um dos sapatos e levantar um pouquinho a barra da calça, para evitar que se molhasse. Qualquer sarjeta seria transformada em banheiro, sem que ninguém ficasse constrangido.

Como será que Deus, do alto de sua decantada sabedoria, não havia pensado em uma forma tão prática na hora de desenhar a anatomia humana? Nesta altura de nossas ilações não pensávamos mais sermos apenas uma seita de origem protestante, já íamos mais longe e nos imaginávamos santificados e deificados pelo impacto de nossas teses na instauração da felicidade humana. Foi quando alguém lembrou que teríamos que subir a rua Direita pisando nos culhões ou encarar um racha no Bera, dando cacetadas na bola e canelas adversárias!!! Desistimos da reforma do mundo, contentamonos em exercer a nossa capacitividade.

Caiafa

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