terça-feira, 21 de abril de 2009

REVEILLON

No final do ano de 1969, para comemorar aquele que tinha sido um dos melhores anos de nossas vidas, resolvemos fazer uma festa de réveillon. Da festa, além de alguns pulgatorianos, participaram também alguns nativos, amigos nossos do grupo de teatro, um pessoal de teatro que veio de BH e até meu irmão, na ocasião com 15 anos, que vinha a Ouro Preto pela primeira vez. Começamos os preparativos da festa alguns dias antes. O pessoal de BH ficou de trazer parte da comida e bebidas, nós ficamos com a tarefa de preparar a galinhada e as batidas. Foi fácil e barato.

Organizamos uma bela serenata. Enquanto a música ampliava o seu volume sob a janela inocente, o resto da turma invadia o galinheiro e ensacava as penosas. Só naquela noite pegamos cinco. Na verdade quem furtou as galinhas foi o Tatu, exala da Escola de Minas, que se profissionalizou e seguiu carreira com sucesso. Virou político profissional. A preparação das galinhas ficou por conta da Dona Luzia, nossa primeira comadre, cozinheira de primeira linha.

Começamos a beber após o almoço e, de vez em quando, comíamos alguma coisa. Devíamos ter umas dez pessoas participando da festa. De repente, Marcão, meu irmão, começou a sentir-se mal. Levamo-lo para o quarto maior e o colocamos na cama. Mal pusemos a bacia ao lado, colocou para fora tudo que tinha comido – e ele tinha comido muito. Dávamos assistência a ele. E Victor Godoy, ao vê-lo naquele estado, exclamou:
- Marcão, sou solidário com você!

E também colocou para fora tudo que havia comido. Mas o Marcão ainda se sentia mal. Resolvemos levá-lo até o posto de atendimento médico que ficava ao lado da igreja do Antônio Dias. Já era por volta de uma hora da manhã e não havia viva alma na rua. Com alguma dificuldade para controlar o Marcão e vencer a subida da rua Direita, chegamos lá, mas o enfermeiro que nos recebeu à porta não quis prestar atendimento, afinal era dia de passagem de ano. Inconformado, Marcão passou a discutir com o enfermeiro.

Como já percebíamos uma melhora nas suas condições de saúde e também porque entendíamos que o socorro médico não iria acontecer, resolvemos voltar para a república. Mas o Marcão não se conformava e ficou parado à frente do posto médico reclamando do enfermeiro que já havia inclusive fechado a sua porta. Victor começou a fazer eco das suas reclamações:
- Seu sacana!
- ...ana...
- Seu veado!
- ...ado...

Aquilo irritou mais ainda o Marcão que passou, a partir deste ponto, a discutir com Victor. Não havia discussão, Marcão reclamava e Victor fazia eco de suas palavras:
- Pára com isto!
- ...isto...
- Deixa de babaquice!
- ...ice...

Nervoso com o que acontecia, ainda no Antônio Dias, Marcão começou a se afastar de nós. Os ecos começaram a ficar cada vez mais distantes até deixarem de ser ouvidos. Voltamos para a república e continuamos com a festa, até que por volta de umas três horas da manhã batem à porta. Fomos atender, era o Marcão. Foi quando a ficha caiu e ocorreu-nos que ele não conhecia a cidade.
- Como é que você chegou aqui?
- Ah! Vim batendo em todas as portas que encontrei pelo caminho perguntando onde é que você morava...

Por motivos óbvios, esse réveillon tornou-se também inesquecível para os ouropretanos.

Caiafa

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