terça-feira, 21 de abril de 2009

O VIRA

Quando a República foi fundada, a casa era muito diferente. Não existia a boate, não existiam os andares inferiores e não existia o Vira Bostin – o mais famoso e original campo de rachas de Ouro Preto, em todos os tempos. Não existia qualquer mobília, não havia televisão, fogão nem geladeira. Mas era o melhor lugar que poderíamos querer para morar pelos próximos anos.

A situação não era diferente nas outras repúblicas irmãs da Pulgatório: a Nau, também instalada na mesma ocasião era apenas paredes e um amontoado de piratas e a Ninho, até bem pouco tempo, nem paredes tinha. A Aquarius foi submetida a uma reforma radical de sua planta, transformando-a em uma quase pensão com muito pouco convívio social, e sua inauguração somente ocorreu alguns meses depois. Se a Pulgatório não tivesse sido invadida, também teria sido submetida a reforma semelhante.

Naquela Ouro Preto de 1969 havia poucos meios de lazer. Havia o footing da rua São José, que uma representante da cidade no concurso de Miss Minas Gerais apresentou ao mundo. Na entrevista, declarou que as moças de Ouro Preto adoravam o fútil, do qual a própria era habituée. Havia a televisão do CAEM, onde uma verdadeira multidão assistiu o Corinthians quebrar o longo tabu contra o Santos de Pelé e Coutinho, na estréia de Paulo Borges. E havia o cinema. Aliás, havia dois cinemas: um onde até hoje se encontra, especializado em filmes que já havíamos assistido em nossas infâncias, e outro no meio da rua São José. Este com uma peculiaridade muito interessante: tinha uma coluna no meio da platéia. Quem aceitasse sentar-se após a coluna, pagava menos.

Precisávamos urgentemente de mais um equipamento de lazer. Em uma das poucas reuniões conjuntas das repúblicas da rua Paraná, resolvemos construir um campo de futebol. Foi uma tarefa árdua. Desmatamos, destocamos, cortamos e aterramos a parte dos fundos de nossas repúblicas. Tudo feito no braço, na picareta, na enxada e na marreta. E ainda tivemos que bater boca com alguns vizinhos que alegavam estarmos invadindo as suas propriedades. Provavelmente esses vizinhos tinham razão, uma vez que o processo de compra de casas pela Escola de Minas teve muitos pontos que não foram suficientemente esclarecidos. Mas serviu para aumentar a fortuna de alguns que participaram da maracutaia.

Finalmente, o nosso majestoso estádio ficou pronto. É certo que ele nunca chegou a ser exatamente retangular. Não só seus ângulos não eram retos, como seus lados não tinham as mesmas dimensões. Suas traves nunca tiveram a mesma altura e tampouco a mesma largura, mas como jogávamos na base do cinco vira, dez acaba, esses detalhes eram de somenos importância. Apesar de todos os defeitos, era o que tínhamos e o nosso estádio precisava de um nome. O jogo inaugural já estava marcado. Além do público esperado para as arquibancadas que ficavam nas encostas dos terrenos das repúblicas, onde antes havia um cemitério para cães e gatos, havia também a elite que se postava nos camarotes dos quartos dos fundos das casas da rua São José. Havia ainda o pessoal que iria assistir da geral, também conhecida como Ponte dos Contos. Mas, que nome daríamos ao nosso campo de futebol?

No ano de 1969, fruto da fracassada copa do Mundo de 1966, o Brasil foi obrigado a disputar as eliminatórias para a Copa que aconteceria no ano seguinte no México. O Brasil montou então aquele que foi considerado, pela imprensa especializada, o melhor time de futebol de todos os tempos – eram as feras do Saldanha. João Saldanha, jornalista e técnico de futebol, era filiado ao Partido Comunista e por isto, desafeto do general presidente Garrastazu Médici. Este, usando de seu poder imperial, encaminhou ao Saldanha algumas sugestões para a convocação dos atletas e escalação do time. Saldanha respondeu, através da imprensa, que Médici convocava e escalava seus ministros e que ele, João Saldanha, convocaria e escalaria seus jogadores. Foi convidado a passar o posto para o Velho Lobo, que manteve a equipe básica do João. Mas aquele time jogando dava gosto de assistir, cada jogo era uma nova obra de arte. Não se questionava se íamos ganhar ou perder, mas sim de quanto iríamos ganhar. Vitória por um a zero era quase um vexame. Não só sabíamos a escalação do nosso selecionado, como sabíamos também as datas e locais dos próximos jogos. Inclusive os nomes dos estádios em que o Brasil iria se apresentar aqui e nos demais países sulamericanos.

O jogo contra a Colômbia foi em um estádio denominado El Campin. O Brasil ganhou jogando bem e, em homenagem a este jogo, chamamos o nosso estádio de El Bostin. Com o tempo, passou a Vira Bostin. Hoje é uma quadra, provavelmente perfeitamente retangular, com traves de tamanhos iguais, sem charme, sem história e sem poesia, com cerca protetora e acesso controlado em toda a sua volta e ostenta o pomposo nome de Vale do Tripuy. Mas para nós continua a ser o eterno Vira Bostin ou, mais carinhosamente, o Vira.

Caiafa

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Você pode comentar à vontade, pode ser contra ou bater palmas - não vai fazer diferença alguma!