terça-feira, 21 de abril de 2009

O PRIMEIRO CARNAVAL

Mulher, festa e cachaça são três ícones na vida de todo pulgatoriano. Não necessariamente nesta ordem, mas quem não soube valorizar estes paradigmas não pode ser considerado um legítimo pulgatoriano de primeira grandeza. É dispensável explicar o porquê. Alguns ainda acrescentariam a pelada, isto é, o racha do Bêra, bem entendido, porque a outra pelada já abriu a lista de preferências pulgatorianas. Outros acrescentariam o joguinho de baralho, caixeta, nos tempos mais modernos; king em épocas mais antigas; e truco nos primórdios da casa. O jogo de truco ainda é passível de ser aceito, porque se assemelha muito à prática sexual: se você não tem um bom parceiro precisa ter uma mão muito boa.

O ano de 1969, com o episódio das meninas de Muriaé e posteriormente com o Festival de Inverno, tornaram a Pulgatório uma república de referência já no seu primeiro ano de vida. A sua procura por parte de turistas, sejam eventuais de final de semana, sejam de excursões universitárias, principalmente femininas, tornouse uma constante. Não cobrávamos nada por isto, bastava o prazer da companhia.

No final do ano de 1969 chegou à república uma carga completa de alunas de um curso de arquitetura da Universidade de Santa Maria, interior do Rio Grande do Sul. Você é capaz de imaginar o que era a distância Ouro Preto – Santa Maria em 1969? Seguramente umas 50 horas de viagem – dose para leão... Protegidas pela distância da impunidade, fizeram e aconteceram – namoraram, beijaram e tudo mais que o tempo e a época dos fatos permitiram. Na saída, apenas um envergonhado tchau, nem endereço e nem telefone, temerosas que suas aventuras chegassem até Santa Maria, 50 horas distante de suas aventuras de verão. O Malão, que ficara deveras apaixonado por uma delas, ficou inconsolado – naquela época a gente tinha essa frescura de ficar apaixonado e o Malão era o campeão desse sentimento. E como fazer para dizer à mocinha sobre sua paixão, se nem endereço e nem telefone haviam sido deixados?

Mas a Pulgatório já tinha seus tigres e leões. Outro pulga namorava uma moça que estudava em Viçosa, cuja irmã lecionava na Universidade de Santa Maria. E foi assim que aquela estudante de arquitetura, que derretera o coração do Malão e que se julgava a salvo pela barreira da distância, ao chegar à sua escola recebeu o recado da Pulgatório. A resposta foi rápida:
- Pelo amor de Deus! Deixa quieto que estou noiva aqui e ele não pode saber de nada!!!

Veio o carnaval de 1970, o nosso primeiro carnaval pulgatoriano. Recebemos um pedido para hospedar um bando de moças de Campinas, aliás, dos Estados Unidos de Campinas, tal era o ar esnobe e arrogante que emanava de suas atitudes. Mas esta parte da personalidade das pessoas a gente só descobre ao vivo e nunca em uma correspondência educada pedindo um espaçozinho para dormir e tomar banho. E foi exatamente o que fizeram: usaram a república apenas para dormir e tomar banho. Nem um bom dia simpático aconteceu. Não existia a boate, mas a cozinha já era o centro gravitacional da República. Nem uma paradinha para dizer: “Vocês são legais!” Só para ser amáveis, ainda que fosse mentira...

Procuramos nos esforçar ao máximo para tornar a estada delas a mais agradável possível. Até a sala, que era o nosso salão de todas as festas, procuramos ornamentar com motivos carnavalescos, apesar dos nossos parcos recursos. Com mesas equilibrando-se umas sobre as outras, esticamos cordões junto ao teto com bandeirolas coloridas dependuradas. Colocamos discos (bolachões) com temas carnavalescos na vitrola (você queria o que? CD player?). Nada foi suficiente para mudar o humor ou mesmo a descortesia de nossas hóspedes. Era como se não existíssemos e nada do que houvéssemos feito valesse alguma coisa.

Mas a Pulgatório já tinha seus tigres, leões e tigrões. E, ao voltarem de mais uma saída sabe-se lá para onde, as campineiras dirigiram-se diretamente para seus aposentos e pouco depois adentraram esbaforidas pela sala procurando por um pulgatoriano, qualquer um deles. Reclamavam que suas bagagens haviam sido reviradas e tinham notado o sumiço de todas as suas peças íntimas. Por sorte, ou não, encontraram-me abraçado com uma garrafa de cachaça no sofá da sala. Chorosas, relataram seu infortúnio. Tiveram que repetir algumas vezes sua história até que as palavras pudessem ser entendidas no álcool em que estavam sendo afogadas. Com os olhos semicerrados, a boca com preguiça de falar e os ouvidos desinteressados em escutar, apontei para o teto onde estavam as bandeirolas. Junto a elas, calcinhas e soutiens completavam a decoração. Não sabemos o porquê, mas nunca mais retornaram à república.

Caiafa

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