terça-feira, 21 de abril de 2009

GINCANA NA ESCOLA NORMAL

Dr. Moacyr do Amaral Lisboa era o mestre que mais se aproximava da matéria que ministrava. Era professor de paleontologia e carregava a forma de pensar semelhante a de seus fósseis. Por ocasião de uma Aula Magna, este era o nome que se dava à aula simbólica no início de cada ano letivo, perante uma platéia em que o aluno mais bem vestido trajava calça jeans e tênis, asseverou que a escola perdia substância por conta da falta de valorização de seus padrões estéticos e morais. Propôs que se voltasse aos tempos de antanho em que os alunos assistiam às aulas de terno e gravata e os professores monologavam trajando becas. Não se sabe por que a proposta não foi levada a sério. Nem pela direção da Escola, da qual era o diretor de ensino.

Mas era um mestre bondoso. Sabia da irrelevância dos conhecimentos que ministrava e procurava não prejudicar seus alunos. Dizia-se mesmo que, tendo levado um aluno à prova oral em uma segunda época, colocou-o frente a um fóssil e pediu-lhe que o descrevesse.
- Não sei, professor.
- Bem, e este outro aqui?
- Também não sei.
- Bom, meu filho, pelo menos o nome da cadeira e do professor você deve saber.
- Ah, isto eu sei. A cadeira é Palé e o professor é o Moacyr Cocó.

Nas reuniões da Egrégia Congregação da Escola de Minas, tinha postura de destaque e respeito, em função de seu histórico escolar. Em uma dessas reuniões, participava pela primeira vez o Dr. Mazzoni, o nosso professor de descritiva, um engenheiro relativamente novo, não habituado às coisas da Casa de Gorceix. Foi à reunião de calça social e blazer, sem gravata. Mal começara a reunião e o Dr. Moacyr pediu a palavra e, sem dirigir-se a ele diretamente, verteu uma verdadeira catilinária sobre a adequação no modo de trajar, informando que era de costume daquela congregação que todos comparecessem às reuniões de terno e gravata. Dr. Mazzoni olhou em redor e se viu cercado por vetustas figuras que tinham idade, no mínimo, para serem seus pais, quando não seus avós, todos trajando terno e gravata – provavelmente os mesmos que utilizaram em suas respectivas formaturas. As camisas, que um dia foram brancas, tinham seus colarinhos puídos pelo uso; os paletós não conseguiam mais se acomodar aos corpos que já eram bem mais fartos e disformes; as calças pareciam ter sido guardadas dentro de uma garrafa; e os sapatos sem brilho, sem graxa e sem graça, servidos por meia-sola barata, calçavam pés protegidos por meias que se pretendiam brancas. Nunca mais voltou à reunião da congregação. Tornou-se sócio do curso Pitágoras, talvez o maior colégio particular de Minas Gerais nos dias de hoje, onde não se exigia tal indumentária.

Mas Dr. Moacyr tinha outras virtudes – era poeta e membro da Academia Ouropretana de Letras, tendo feito publicar alguns livros de poesia de sua autoria. Por conta deste capítulo de seu currículo, foi convidado para ser presidente da comissão julgadora de uma gincana promovida pela Escola Normal para a arrecadação de fundos para a formatura de suas professoras. A gincana era composta de vários quadros e nós também fomos convidados, por uma das equipes, para apresentarmos um quadro cujo tema era “o que pode acontecer em uma sala de aula”.

Claudim fazia o papel do professor histérico que grita com os alunos, se exaspera e exige silêncio enquanto escreve na lousa (este negócio ainda existe, né?) e fala sobre Camões e sua obra. A turma, composta de crianças do nosso grupo de teatro infantil, aos poucos se aquieta. O silêncio é quebrado por uma voz vinda do fundo:
“As tradições e as artes conservadas,
Que desta velha terra ouropretana,
Inda não foram todas divulgadas;
O gênio e a fé da gente brasiliana...”

O “professor” Claudim se irrita:
- Quem foi o idiota que falou esta asneira?
A mesma voz, empunhando um pequeno livro, responde do fundo da sala:
- Foi o Dr. Moacyr. Está bem aqui na primeira estrofe do canto primeiro do poema Vila Rica!

Não sabemos bem porque, mas fomos desclassificados. Mas que a tigrada da Escola Normal gostou, ah, isso lá gostou. Alunas, professoras e diretoras ficaram dando gargalhadas envergonhadas por uma semana.

Caiafa

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