terça-feira, 21 de abril de 2009

DONA LUZIA

Dona Luzia foi a primeira das comadres da república a poder desfrutar desta patente. Foi com ela que inauguramos toda uma dinastia de comadres que se consideravam a segunda mãe dos pulgatorianos. Dona Luzia, no caso, às vezes considerava-se até mesmo a primeira mãe; em outros, no caso de pulgatorianos mais carentes, até mesmo a única. Era uma cozinheira de mão cheia. Fomos buscá-la na cozinha do Restaurante Pilão, o mais famoso de Ouro Preto naquela época. O Pilão ficava na praça Tiradentes, na esquina da rua do Ouvidor, exatamente no mesmo casarão que foi destruído por um incêndio anos depois e recuperado pela prefeitura. Na hora de decidir entre o Pilão e a nascente Pulgatório, o dinheiro falou mais alto, passando a ganhar bem mais do que lhe pagava o melhor restaurante de Ouro Preto. Com ela aprendemos a pegar gambás, que eram bastante comuns na Pulga, e a fazê-los no forno, como pequenos leitões (se você não souber o segredo de matá-los, não tente fazer este prato).

Era uma negra forte, quando começou a trabalhar na república não tinha marido, nem namorado e nem amante, mas carregava dois filhos a tiracolo. E mais uns vinte pulgatorianos sob as asas. Apesar de seu estado civil e seu passado quase servil, passou a considerar que o seu tempo de casa já lhe permitia aconselhar os moradores. Mais um pouco e passou a chamar-lhes a atenção, pouco faltando para não lhes passar lições de moral e mesmo alguns castigos comuns à infância daqueles tempos. Exigia o máximo de respeito à sua pessoa – se algum pulgatoriano levasse uma mulher para o seu quarto, independentemente do que viesse a ocorrer, virava-lhe a cara por um bom tempo, para marcar sua reprovação àquele comportamento. Havia um republicano que tinha uma espécie de conta corrente com uma conhecida prostituta ouropretana. A mocinha, religiosamente, uma vez por semana, prestava serviço no quarto daquele pulga. Nunca mais aquele morador conseguiu qualquer satisfação da Dona Luzia, embora pagasse como todos os demais e já fosse bem maior de idade. E ela nunca mais lhe dirigiu a palavra.

Numa daquelas segundas feiras cinzentas, ao levantar para o café da manhã encontrei Dona Luzia ainda na cozinha. Perguntou-me pelo japonês, que era um dos seus queridinhos. Como ainda era segunda feira,de madrugada, ainda quase domingo, com a língua ainda travada pela mardita, disse-lhe qualquer coisa do tipo tê-lo visto caído na sarjeta com um cachorro a lamber a boca. Poucos minutos depois Yassuo aparece na cozinha para o seu café da manhã. Alegremente, cumprimenta a todos e à Dona Luzia em particular, que imediatamente lhe virou o rosto. Sem saber por que, o japonês ouviu repreensões diversas que terminaram com um:
- Vai lavar essa boca, japonês sem vergonha, antes de falar comigo!

Depois que me formei, retornei à república e ainda encontrei Dona Luzia no posto de comadre. A última vez que a vi foi na Santa Casa, onde tinha sido internada por causa de um aborto mal sucedido.

Caiafa

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