terça-feira, 21 de abril de 2009

FAUSTIN E A PELEJA CONTRA O MAIA

Joaquim Maia foi um dos mais famosos professores da Escola de Minas. Expoente de uma geração que durante muitos anos manteve viva a chama da Escola de Minas, até vê-la definhar em um mercado muito mais exigente, onde o conhecimento técnico passou a dividir espaço com o relacionamento profissional. Uma verdadeira autoridade nos assuntos ligados à engenharia de minas. Fonte do saber onde muitas gerações foram se saciar. Mas o seu saber era tão vasto quanto à sua total incapacidade de ministrar uma aula que despertasse nos alunos o mínimo interesse pela matéria. Se o conhecimento técnico era de primeiro mundo, a didática era de terceiro mundo. Suas aulas eram longos monólogos que fluíam ao longo dos cinquenta minutos, sem uma interrupção qualquer. Não que não houvesse dúvidas – o que não havia eram oportunidades para que fossem expressadas.

Alunos inconformados com a falta de didática do mestre e sinceramente interessados em aprender, naquela época isto era comum, passaram a interromper as suas aulas com perguntas que julgavam pertinentes. Porém, Joaquim Maia, com a soberba que o caracterizava, enxergava nos questionamentos mais um processo de indisciplina do que de interesse em apreender. Não tendo paciência para ensinar e não estando preparado para dialogar, requereu a aplicação do Decreto-lei 477 para grande parte de seus alunos. O DL 477 era uma lei cometida pela ditadura militar que impunha severas sanções a estudantes que praticassem atos políticos que pudessem ser considerados subversivos ou mesmo inconvenientes para o poder vigente. Nada tinha a ver com casos corriqueiros de indisciplina, para isto bastavam os critérios de cada escola; o DL 477 dizia respeito ao comportamento político dos estudantes, independentemente de seu desempenho escolar. Embora a aplicação tivesse sido solicitada pelo Maia, por previsão legal era necessário que a mesma fosse encaminhada pela diretoria da Escola, o que foi feito pelo Dr. Pinheirinho.

Com muito custo e grandes manobras políticas em Brasília, através do Diretório Acadêmico, do qual eu era secretário e o Babalu, tesoureiro, conseguimos nos fazer ouvir no Ministério da Educação. Alguns dias depois chegou a Ouro Preto um senhor que se apresentou na portaria da Escola de Minas e pediu para falar com o diretor da escola. O porteiro, Sr. Wilson, não acostumado a receber ordens de quem não conhecia, informou que o Dr. Pinheiro já havia se retirado e que somente no dia seguinte seria possível o encontro pretendido. O senhor então se apresentou: Coronel Sucupira, braço direito do coronel Jarbas Passarinho, ministro da Educação. A reunião foi a portas fechadas, mas o pedido de aplicação do DL 477 foi retirado pela Escola e o professor Joaquim Maia foi ridicularizado pela imprensa nacional. A revista Veja chegou a publicar uma foto sua, desfilando pela rua São José, tendo por legenda: “Ou o professor Joaquim Maia não lê jornais ou não acredita no que lê.”

Mas Faustim, apesar de todo o sofrimento que lhe era impingido, era um ardoroso admirador do professor Joaquim Maia. Falava do Maia, transpirava Maia, rescendia a Maia. Devorava suas apostilas (bentas) no aconchego de seu quarto. Não dormia enquanto não tivesse certeza de ter compreendido perfeitamente o que nelas estava escrito. E, quando dormia, seus sonhos e pesadelos gravitavam em torno da figura do Maia. Para poder chegar a este estado de estudante super dedicado, desenvolvera algumas técnicas muito peculiares.

A primeira delas consistia em estudar completamente nu. Desta forma impedia que a vontade de sair de casa se sobrepusesse à necessidade de ficar. Raciocinava que, se tivesse que se vestir, seria vencido pela lei da inércia e passaria a considerar que o fato de estudar era um suplício menos difícil de ser suportado. E assim desvestido, mantinha seu quarto hermeticamente trancado, mesmo em um tempo em que o perigo maior que rondava as casas ouropretanas era o roubo de galinhas.

A outra técnica, empregava-a quando começava a sentir-se envolvido pelo sono e muito ainda havia a estudar. A cidade de Ouro Preto era muito silenciosa, não existiam boates em repúblicas; os alunos estudavam ou pelo menos fingiam fazê-lo, com raras e honrosas exceções; não havia automóveis; os botecos fechavam às dez horas, à exceção daqueles que ainda esperavam pelo Zé Otaviano, o ambiente conspirava para que as pessoas dormissem mais cedo. Algumas moças efetivamente iam para a cama mais cedo, para poderem chegar em casa antes das dez. e, quando a fadinha do sono se achegava, Faustim precisava de alguma maneira de fazer com que se mantivesse afastada. E bem afastada. Para atingir esta condição, quando sentia que estava para ser dominado pelo sono, vestia-se como se fosse sair, ia até a quadra e soltava pelo menos uma dúzia de rojões no meio do silêncio da noite ouropretana. E Ouro Preto inteira ficava sabendo que Faustim estava estudando.

Caiafa

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