terça-feira, 21 de abril de 2009

O TEOREMA DE LAUDELINUS

A Escola de Minas, antes da chegada das novelas globais durante a década de 70, acreditava, a exemplo dos antigos navegadores, que o mundo era plano e que se estendia de Mariana até Itabirito. Seus métodos de ensino, suas teorias didáticas e comportamentais remetiam à data de sua criação em 1876. Alguns de nossos mestres agiam como se em algum momento de suas preleções fossem receber a visita do próprio Henry Gorceix.

Dr. Calaes era uma sumidade no conhecimento da Geometria Analítica, provavelmente todo seu cérebro era ocupado por esta matéria, não lhe restando espaço para outras tarefas do dia-a-dia. Suas provas eram exemplos vivos de sua metodologia didática. Suas aulas e provas, ministradas na sala Maracanã, eram sempre as duas primeiras da manhã, seguindo-se a elas o intervalo que usávamos para um lanche rápido, uma ida ao banheiro, um cigarro, etc. Era um intervalo de vinte minutos que ele permitia que usássemos para que finalizássemos alguma questão quando da aplicação de sua prova. Como suas questões eram longas e trabalhosas, invariavelmente usávamos esse tempo extra. Mas, mal começava o intervalo, ele já avisava:
- Moço, vamos entregar a prova, moço!

Para ele, ninguém tinha um nome específico, todos éramos moço. Naquele dia combinamos que não entregaríamos a prova enquanto não a terminássemos. Usaríamos todo o intervalo e até mesmo parte da aula seguinte, se necessário, para poder completá-la. Logo no começo do intervalo, Dr. Calaes começou a sua peroração:
- Moço, vamos entregar a prova, moço!

Mas ninguém lhe deu importância. Passados cinco minutos, novo aviso. E ninguém parecia ter entendido o recado. O tempo ia passando, os avisos se sucedendo a intervalos cada vez mais curtos e nada de entrega de provas. Desesperado, sem saber o que fazer, aquele senhor que na época devia estar nos seus setenta anos, subiu no praticável existente no Maracanã e começou a pular e gritar como um macaco furioso:
- Moço, vocês não querem entregar a prova, mas não vão ter sossego para o raciocínio. Ahhhhh!

Tinha um receio doentio de que lhe enganassem, isto é, que usassem de meios escusos em suas provas. Trocado em miúdos, tinha aversão à cola. O receio era tão grande que em suas provas colocava um balde nos fundos da sala – quem precisasse ir ao banheiro que fosse ao balde. Para sólidos, só com o acompanhamento de um bedel. Este procedimento teve que ser deixado de lado por conta do ingresso de estudantes do sexo feminino no final da década de sessenta.

Durante uma de suas aulas, foi interrompido pelo bedel que lhe pedia as chaves do seu carro. Discutiu asperamente com o funcionário da escola sobre a conveniência do procedimento, somente cedendo aos seus apelos quando foi informado que esquecera seu veículo na rua São José, quando descera para ir à farmácia. Ao sair da farmácia fez o resto do percurso a pé, esquecendo-se do carro deixado no meio da rua.

Nos exames vestibulares, era o principal mentor das questões de matemática. Quando vim prestar exame vestibular, fui alertado:
- O Dr Calaes está na banca examinadora, isto significa Ceva, Menelau, Brianchon e Laudelinus.
- Cumequié?

E o veterano explicou-me pacientemente que existia um livro de geometria da editora FTD, que sequer era mais publicado, onde constavam esses teoremas, que eram casos muito particulares de alguns teoremas consagrados. Isto é, para resolver algumas questões da prova, provavelmente seria exigido o conhecimento desses teoremas. Com muita dificuldade descobri um resto do tal livro, do qual faltavam algumas páginas, e encontrei alguns desses casos. Fui para a prova confiante e dela saí mais confiante ainda. A dica do veterano fora fundamental. Encontrei o veterano e comentei o resultado. Seu sorriso denunciava que já sabia do acontecido.
- A primeira questão foi uma simples aplicação do teorema de Ceva e a terceira ficou fácil com o teorema de Brianchon. As demais foram através dos conhecimentos, digamos, normais. Só uma coisa me deixou preocupado: no livro da FTD que usei, talvez pelo seu estado de conservação, não foi possível encontrar o teorema de Laudelinus e talvez o seu desconhecimento pudesse ter prejudicado o meu resultado.
- Mas você jamais iria encontrar o teorema de Laudelinus em livro algum! Laudelinus é um ex-aluno da Escola que na demonstração de um teorema, quando não conseguia ir da hipótese à tese, fazia o caminho inverso, partindo da tese até chegar à hipótese. Depois repassava para a folha de prova o raciocínio na ordem inversa.

Provavelmente Dr. Calaes não conhecia tal teorema, senão já teria proibido a sua utilização em suas provas.

Caiafa

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Você pode comentar à vontade, pode ser contra ou bater palmas - não vai fazer diferença alguma!